segunda-feira, março 05, 2007

A simplicidade de sonhar

saltando de nuvem em nuvem,
um pé primeiro e depois o outro
uma gargalhada estiliza-se como um banco
e dou o saltinho para a outra nuvem.

vou a voar...
colhendo as flores,
contemplando os sorrisos,
reconhecendo os carinhos,
embalada nas brisas que trespassam a alma
e me dizem baixinho"sabes uma coisa? eu gosto de ti"!

o meu olhar vislumbra a luminosidade
e rindo das minhas borbulhas
o sussuro da vida empurra-me para a próxima nuvem...
Queres vir comigo?
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira